Uma recente decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) põe em risco a aplicação da Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135/10) para casos de reprovação de contas de políticos e gestores públicos. Na avaliação do coordenador do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), o juiz eleitoral Márlon Reis, esse é o dispositivo de maior eficácia das novas regras de inelegibilidade previstas na Lei da Ficha Limpa. E a decisão do TSE o coloca seriamente em risco.
Com base na alínea G da Lei da Ficha Limpa, o registro dele foi impugnado e, depois, rejeitado. O trecho da norma diz que ficam inelegíveis por oito anos aqueles que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configurem ato doloso de improbidade administrativa. Para o TSE, o caso de Valdir de Souza não se encaixava no disposto na lei, pelo fato de o TCE não ter lhe imposto punição. Para os ministros do TSE, isso demonstraria não ter havido uma intenção dolosa, de realmente prejudicar o erário.
Erro gravíssimo
Para o coordenador do MCCE, Márlon Reis, o TSE cometeu um “erro gravíssimo”. Na visão dele, que é juiz eleitoral no Maranhão, a corte superior está fazendo uma leitura equivocada do que é dolo em matéria eleitoral, confundindo com matéria penal. “Quando o administrador deixa de praticar uma licitação, ele não é negligente, ele pratica uma omissão dolosa. São lições absolutamente primárias de direito eleitoral que o TSE está ignorando”, analisou ao Congresso em Foco.
No entanto, caso a corte não reveja o entendimento – o que neste momento parece improvável por ter sido uma decisão unânime – é preciso provocar os ministros judicialmente. Ou seja, o Ministério Público Eleitoral precisa apresentar um recurso contra a postura de quinta-feira. Para Márlon, existe a possibilidade de o caso até parar no Supremo Tribunal Federal (STF).
Função constitucional
Segundo Márlon, o erro do TSE está na origem. O ministro relator do caso, Arnaldo Versiani, afirmou que não era possível ter uma conclusão sobre a improbidade administrativa porque o acórdão não deixava claro se houve prejuízo ao erário nem se teve intenção. Também não determinou punições para o peemedebista, que tenta a reeleição para o quarto mandato como vereador.
Assim, no entender do coordenador do MCCE, eles não possuem a prerrogativa constitucional de tratar de dolo. São órgãos técnicos que em seus pareceres dirão se houve ou não desrespeito às leis. No caso em questão, Reis opinou que foi reconhecido que o secretário autorizou pagamento além da lei orçamentária em plena época da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
“Como entender que não houve prejuízo só porque o TCE não usou essa frase especificamente? Houve desrespeito às leis orçamentárias”, afirmou o juiz eleitoral. Para ele, não se pode exigir das cortes de contas que se emita juízo sobre o dolo. E é preciso fazer uma distinção do que é intenção em direito eleitoral e o criminal. “Aqui falamos de direito político, não individual.”
Não houve desfalque
O presidente do Instituto de Direito Político, Eleitoral e Administrativo, Alberto Rollo, discorda. Para o advogado, se o político for condenado por uma corte de contas por não ter aplicado a LRF e deixou dívidas, não está configurada a improbidade administrativa de forma que a Lei da Ficha Limpa estabelece. “Ato doloso é aquele que provoca desfalque no erário”, disse ao site Consultor Jurídico.
Em um ponto, porém, Reis e Rollo concordam. A postura do TSE, sendo replicada pelas cortes eleitorais locais, representa uma grande mudança na jurisprudência eleitoral. Para o coordenador do MCCE, todos os que tiverem contas rejeitadas escaparão da inelegibilidade. O advogado eleitoral entende da mesma forma. “Em São Paulo, todo mundo que tem problema nas contas tem sido condenado à inelegibilidade. Com essa nova decisão do TSE, fica bem definido que ato doloso implica prejuízo”, afirmou.
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