A cura do câncer é o sonho de muitos pesquisadores e nos últimos anos uma técnica que pode revolucionar o tratamento da doença vem se aperfeiçoando: a virusterapia, o uso de vírus geneticamente modificados para atacar as células tumorais.
A Fundação Instituto Leloir, da Argentina, anunciou recentemente dois importantes avanços. Junto a colegas de Chile, Grã-Bretanha e Estados Unidos, os cientistas da instituição conseguiram adaptar um vírus que causa problemas respiratórios e conjuntivite, o adenovírus, para atacar com sucesso o câncer de pele e de pâncreas em camundongos.
O diretor da equipe do Leloir, Osvaldo Podhajcer, chefe do Laboratório de Terapia Celular e Molecular e pesquisador sênior do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas da Argentina (Conicet), disse à BBC Mundo que foi possível reduzir ou eliminar tumores sem danificar outros tecidos.
Isso ocorreu porque os cientistas modificaram o DNA de modo que o vírus só possa se reproduzir em células cancerosas.
A técnica representa um grande avanço em relação aos tratamentos convencionais para o câncer, como a quimioterapia ou radioterapia, que deixam sequelas graves.
Além disso, o trabalho pode ter um enorme impacto sobre a cura do melanoma e do câncer de pâncreas, duas das doenças mais mortais.
"Esses dois tipos de câncer são os menos propensos a receber tratamento não-cirúrgico", disse à BBC o oncologista Eduardo Cazap, presidente da União Internacional de Controle do Câncer (UICC, na sigla em Inglês).
Riscos
Quando se fala de um vírus geneticamente modificado, há sempre o temor de que esses avanços científicos representem um grande risco no futuro, a possibilidade de causarem uma pandemia.
O vírus que causa problemas respiratórios e conjuntivite, o adenovírus, atacou com sucesso o câncer de pele e de pâncreas em roedores
Essa é a premissa do filme de 2007 Eu Sou a Lenda, com Will Smith, em que um cientista consegue curar o câncer, modificando o vírus da varíola, mas a mutação do vírus acaba convertendo todos os seres humanos — menos o personagem de Smith — em zumbis.
Neste sentido, os especialistas do Instituto Leloir disseram à BBC que optaram por trabalhar com o adenovírus porque é um vírus pouco perigoso, muito estável, o que exclui qualquer risco de mutação.
Na verdade, Podhajcer explicou que trabalhou com essas duas formas de câncer pela falta de tratamentos conhecidos e pela alta incidência na população.
O trabalho sobre o câncer de pâncreas foi feito em parceria com duas universidades do Chile, Concepción e Andrés Bello, o que é raro na América Latina.
Os cientistas estabeleceram um marco ao compactarem o ADN para fazer com que o vírus se multiplique mais rápido.
O estudo foi publicado na revista Molecular Therapy , da Associação Americana de Terapias Celulares e Genéticas.
Enquanto isso, a pesquisa sobre o câncer de pele foi feita em conjunto com as universidades de Londres, Birmingham e St. Louis, onde também houve progresso.
"Pela primeira vez que conseguimos mudar geneticamente um vírus para tirar vantagem das características das células cancerosas e as atacar", disse Podhajcer.
Segundo o especialista, isto deu ao vírus 40% mais de eficácia. O trabalho foi publicado no Journal of Investigative Dermatology.
Apesar da importância destes estudos, os autores ressaltaram que ainda é muito cedo para estabelecer se o impacto real será a cura para o câncer.
Primeiro, é preciso percorrer todas as etapas de testes pré-clínicos e clínicos, um longo processo que leva anos e exige grande financiamento.
Se tudo der certo, o Instituto Leloir estima que o tratamento estaria disponível em cerca de cinco anos.
No entanto, Cazap adverte que muitos casos de sucesso em roedores não funcionam em testes em humanos.
"O potencial dessas descobertas é muito interessante, mas você tem que ver se funcionam", disse ele.