Pitimbu Clik

Idealizador Do Blog
Victor Mateus

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Conheça o paraibano que inventou o sashimi de coco na Lagoa




Conheça o paraibano que inventou o sashimi de coco na Lagoa  RIO - É rápido. Quem se distrair com o voo da garça na Lagoa, as luzes da árvore de Natal ou o buzinaço na Epitácio Pessoa vai perder a cena. Em movimentos precisos com o machado, Luciano dos Santos tira três escalpos do coco e entrega a fruta ao freguês com aquele aspecto lúdico, de história em quadrinhos, que lembra um pouco a ponta de um lápis. Depois de bebida a água, vem a melhor parte. Ele abre o coco e, com uma pequena faca de cozinha toda retorcida, tira a carne de dentro e a corta em fatias, para serem degustadas com um garfinho de madeira. É o sashimi de coco, invenção de Luciano batizada por um cliente antigo, já que o paraibano não entende nada de comida japonesa.

O negócio dele é o coco. E disso, pouca gente sabe mais. Há quem chame de bruxaria a sua capacidade de saber se o coco está verde, maduro ou “médio”, se tem pouca ou muita água, só de olhar para a fruta. O vendedor também conhece o gosto de cada um. Pode não saber o nome do freguês, mas tem guardada a preferência dele. Nunca erra. Apaixonado pelo que faz e muito simpático em cada atendimento, Luciano virou personagem do “Guia de gastronomia de rua do Rio”, lançado em 2012. Uma pequena glória festejada pelo paraibano que trabalha há 22 anos na orla da Lagoa, sendo que 12 deles com a sua própria carrocinha no trecho da ciclovia ali do lado da Curva do Calombo.

— Quando era menino, nunca imaginei que um dia venderia coco para viver. Cresci subindo em troncos de coqueiros. Não os maiores, que tenho medo de altura; os médios. Mas era só para beber a água mesmo — conta ele.

Isso foi em Itapororoca, município hoje com 16 mil habitantes a 70km de João Pessoa. Luciano, aos 52 anos, é o quinto mais novo dos 25 filhos de um casal de lavradores cuja história repetiu o drama de famílias no Brasil para quem a morte é companheira de vida. A mãe nunca viu uma maternidade. Distância e falta de transporte complicavam o acesso a unidades de saúde e, por isso, todos os bebês vieram ao mundo em casa, sem eletricidade ou água encanada, com no máximo a ajuda de uma parteira vizinha. Nove dos 25 filhos morreram, a maioria no nascimento. Os outros, em decorrência de doenças ainda na infância, sem tratamento médico nem atestado de óbito. Dos “cerca de cem sobrinhos" de Luciano, “uns 30” tiveram o mesmo fim. Ele próprio não teve filhos. Nunca foi casado.

Mudança para o Rio aos 22 anos

A família Santos tem até hoje um naco de terra numa fazenda de cana-de-açúcar no sertão. Luciano e os irmãos cresceram trabalhando na roça, andando a cavalo, tomando banho de rio e rezando o terço de noite. Foi uma infância dura, mas feliz. Ou feliz, mas dura. O nordestino mal frequentou a escola, e até hoje lê com dificuldade. Viu uma TV pela primeira aos 18 anos. Devia estar passando um faroeste, porque ele só se lembra do susto quando viu cavalos correndo na sua direção. Mas essa época da ingenuidade para Luciano acabou aos 22 anos, quando seguiu o caminho de meia dúzia de seus irmãos, retirantes antes dele. — Eles voltavam do Rio para visitar a gente na Paraíba usando roupas novas, com dinheiro no bolso. Mandavam sempre uma parte do salário pelo correio... Eu fiquei com vontade de vir, de me jogar no mundo também — recorda-se o nordestino.

Luciano trabalhou em canteiros de obras e foi porteiro em condomínios no Jardim Botânico, na Lagoa e em Vila Isabel. Depois de um tempo, passou a ajudar um amigo que tinha uma carrocinha de coco nas horas vagas, no comecinho dos anos 90, quando a Lagoa ainda era “arrudiada” por uma pista de terra batida. Ele mal sabia cortar um coco, mas a necessidade, professora infalível, criou um especialista. O nordestino foi demitido de um condomínio por discutir com um morador e se aplicou no comércio informal. Passou aperto, fome e incerteza. Mas soube se virar e, anos mais tarde, conseguiu da prefeitura permissão para ter a sua carrocinha.

— O Luciano domina o segredo do bom negócio. Seria bem-sucedido em qualquer ramo, porque sabe deixar o cliente satisfeito — elogia o biólogo aposentado Antonio Ferreira da Costa, morador da Lagoa, freguês antigo.

Há um motivo de bastidores para o nordestino ser um cara popular entre os amantes de coco que andam, correm ou pedalam na ciclovia. O comerciante escolhe todas as frutas que compra para revender. Ao contrário da maioria, ele se recusa a negociar o produto aos “lotes”, sem selecionar um por um.

Os cocos na Lagoa vêm, principalmente, do Espírito Santo. A mercadoria chega da estrada e é entregue a intermediários. Adriano Bezerra fornece cocos para mais de 20 vendedores de Centro, Urca, Leme e Lagoa. Seu caminhão aparece guinchando na Curva do Calombo, avisando que está na área.

O veículo para no estacionamento mais adiante e fica lá por cerca de uma hora, enquanto Luciano vasculha a carga, para comprar até 400 cocos de uma vez. Enquanto os outros vendedores pagam R$ 1,80 por fruta, o filho pródigo da família Santos desembolsa R$ 2, para ter o direito de fazer o pente-fino (a revenda sai a R$ 5 a unidade). — Ele faz a maior bagunça no caminhão, mas leva os melhores cocos — conta Adriano, que elogia: — É um trabalho excelente. Ele se preocupa em agradar os clientes.

Rosto conhecido da TV e de quem frequenta a ciclovia, o ator Ney Latorraca anda todos os dias ao redor do espelho d’água e já viu o vendedor fazendo a blitz no caminhão:

— Ele passa um tempão lá dentro, escolhendo os melhores cocos. É um apaixonado pelo que faz. Atende a todos da maneira mais simpática — elogia Ney, freguês assíduo. — Eu me preocupo com ele, pergunto se já comeu, se está se cuidando bem. O Luciano é muito trabalhador. Morador de São Cristóvão, ele chega na Lagoa às 7h. Quando não está vendendo, varre o chão ao redor da carrocinha, arruma as cadeiras e organiza os cocos no gelo. Folga, só quando chove. Luciano acha que parte desse esmero todo é influência do pai, que era muito exigente na lavoura. Mas, ao defender seu próprio negócio, o paraibano foi além da conta. Ficou estressado, passou dias sem comer “por falta de tempo” e desenvolveu gastrite crônica. Há cinco anos, chegou a ficar três meses “no estaleiro”. Gastou os trocados reunidos e passou a tomar remédios para o estômago. Até hoje não pode exagerar na cerveja nem na carne-seca.

O gasto de dinheiro com esse e outros imprevistos teve uma consequência dolorosa. O retirante não gosta de falar disso, mas há anos não visita sua mãe, hoje com 92 anos, e os irmãos na Paraíba (o pai morreu em 1988 de uma hérnia negligenciada. Ele se recusava a procurar um hospital, usou uma cinta de couro para colocar a hérnia para dentro e ficou assim até sucumbir). Luciano fala com a mãe duas vezes por mês e manda dinheiro, mas está devendo a visita. — Fico até magoado falando, mas estou juntando dinheiro para ficar uma semaninha lá, depois do verão — garante ele, depositando fé na alta temporada. — O calor ainda não chegou de vez, mas está vindo. Gosto de ver a carrocinha cheia. Tenho prazer em servir bem.




Globo.com

Nenhum comentário:

Postar um comentário