O programador André Horta, de 30 anos, levou seu Honda Fit a uma oficina de Belo Horizonte para uma revisão mecânica que custou R$ 430. Para quitar a fatura, André não usou cartão de débito ou crédito, cheque ou mesmo dinheiro vivo. O pagamento nem foi feito exatamente em reais. Diego Silva, o dono da concessionária, recebeu um total de 0,22 bitcoins, a moeda virtual mais conhecida da internet e que pode ser um modelo para uma revolução nos meios de pagamentos e recebimentos em todo o mundo. A transação só foi concretizada após uma conversa demorada, pois houve desconfiança do estabelecimento de Silva.
Em janeiro, a revista "Bloomberg Businessweek" perguntou: "Por que investidores estão tão loucos por uma moeda alternativa criada por um fantasma?" Em um recente relatório para investidores, o tradicional Bank of America respondeu: "Acreditamos que a moeda possa se transformar em um grande meio de pagamento para o comércio eletrônico e se tornar uma séria competidora a instituições de transferências tradicionais". E Ben Bernanke, que acaba de deixar a presidência do poderoso Federal Reserve, o banco central dos EUA, deu uma bênção cautelosa: "Talvez seja uma promessa a longo prazo".
Já os governos da China e da Tailândia proibiram o bitcoin. O motivo oficial é o temor de que a moeda seja usada em lavagem de dinheiro. Sua ampla utilização na "Silk Road" (Rota da Seda), um "esconderijo" na internet onde se comercializavam drogas e armas, também deu uma pinta marginal à moeda, o que vem causando problemas para o avanço do bitcoin.
No final de janeiro, o vice-presidente da fundação Bitcoin deixou o cargo após ser preso acusado de lavagem de dinheiro e de ligações com a Rota da Seda. A Apple retirou sem explicações um aplicativo de carteira digital de sua loja virtual.
O Banco Central brasileiro declarou em nota aoG1 que o assunto não tem importância no momento. "A própria lei estabelece que sejam regulados apenas os arranjos de pagamentos que, segundo avaliação técnica, possam ter importância sistêmica. O BC analisou o emprego de bitcoins e, por ora, considera que ele não é de relevância para o sistema financeiro brasileiro".
Há vantagens e também riscos no bitcoin, e alguns comerciantes brasileiros estão começando a despertar para o seu uso. A mais visível delas é conseguir fugir das taxas de bancos e de operadoras de cartão. A adoção como meio de pagamento já ocorre no Brasil por 27 estabelecimentos comerciais, de acordo com o Coin Map – serviço que reúne lugares que se dispõem a receber pagamentos dessa forma. No total, já são mais de 2,6 mil em todo o mundo. A Campus Party Brasil em São Paulo, evento já tradicional voltado à tecnologia, teve um caixa eletrônico para troca de reais pela nova moeda. Sem taxa de serviço
Transferir bitcoins, hoje, não custa nada. Esse cenário torna a moeda atrativa para quem precisa transferir dinheiro entre países diferentes, nos quais taxas bancárias e de câmbio inflam o custo do processo. Já existem brasileiros donos de hostels, lojas de suplementos vitamínicos e até taxistas, chaveiros e bares que fazem suas transações com a moeda virtual. Em Santos, no litoral de SP, um apartamento de 90 m² (três quartos e dois banheiros) é vendido por US$ 250 mil. O empresário Rodrigo Souza, que mora em Nova York, aceita apenas bitcoins como forma de pagamento. Adepto do bitcoin há cerca de dois meses, o Caracol Hostel de Florianópolis (SC) recebeu pela estadia de um hóspede alemão o valor de R$ 240, pouco menos de 0,1 BTC à época. Outros dois turistas da Polônia entraram em contato, fizeram reservas para se hospedar no local e avisaram que pagarão com bitcoins. "Por que a gente não deveria aceitar?", pergunta Enzo Baldessar, funcionário do hostel responsável pela implantação. "As operadoras de cartão de crédito cobram 5%. Em uma operação recente, um cara mexeu US$ 150 milhões sem pagar nada de tarifa. É muito eficiente. Quanto ele não pagaria se fizesse uma operação interbancária? Seria dinheiro jogado fora?"
O bar e bicicletaria Las Magrelas, de São Paulo, entrou para o time pró-bitcoin relativamente cedo, em maio de 2013, e já registrou sete transações com a moeda. "Isso vai bombar a qualquer momento", diz Talita Noguchi, de 27 anos, uma das proprietárias. "É absurdamente simples. Quando você vê o negócio acontecendo, percebe o quão fácil é. É meio sem sentido as pessoas terem medo, porque ainda por cima é superseguro". Com clientes fora do país, o escritório de design Modern Lovers, também de São Paulo, adotou a moeda em outubro, quando recebeu o equivalente a US$ 6 mil em bitcoins para criar a identidade visual de lâmpadas de LED carregadas com energia solar. O serviço foi encomendado por um australiano, que chefia a subsidiária na África do Sul de uma firma do Reino Unido.
"A gente passou a usar bitcoin porque a gente recebia via banco. Além de demorar dias, recebendo US$ 1 mil ou US$ 100 vão cobrar aquelas taxas gigantes", afirma Fabrício Bellentani, um dos sócios do escritório. "Mas ainda são muitos poucos os clientes que usam e que têm essa noção".
1 bitcoin = R$ 1,9 mil É bom lembrar que as transações via bitcoin, apesar de não terem o registro de instituições financeiras, constituem comercialização de bens e, sem a declaração à Receita Federal, podem representar fraude. E, sim, há riscos envolvidos: uma das preocupações de economistas é a volatilidade da moeda. Um bitcoin valia US$ 0,01 em 2011 e sua cotação já atingiu US$ 880 (R$ 1,9 mil), o que mantém alguns comerciantes com um pé atrás. "Transformo isso em real quase imediatamente", diz Talita, do bar Las Magrelas, entusiasta da moeda.
Baldessar, do hostel de Florianópolis, afirma que "por ser uma novidade ainda, existe uma grande volatilidade nos preços do bitcoin, por isso é interessante para o lojista e para o cliente fixarem o valor a ser pago em real e depois fazer a conversão para bitcoin. Acredito que, quando o mercado estiver mais maduro, esse procedimento não será mais necessário. Os preços poderão ser fixados em diretamente em bitcoin".
A dificuldade de gerar bitcoins preocupa alguns entusiastas da moeda, que acreditam que o seu valor, que já flutua em R$ 2 mil, tende a apenas subir. Por esse motivo, uma alternativa mais barata foi criada: o litecoin.
Ao contrário do bitcoin, que usa o ouro como símbolo, o litecoin usa a prata. Em vez de cálculos que demoram cerca de 10 minutos para validar uma transação, o Litecoin almeja dois minutos e meio. O total de litecoins geradas será de 84 milhões, quatro vezes mais do que bitcoins. Dessa forma, o Litecoin sempre valerá menos, servindo em especial para transações menores.
Em meio a incertezas sobre a cotação e sua origem, quem já está nessa não diminui a empolgação. "O bitcoin é a maior invenção desde a internet, é uma tecnologia, um protocolo, que já foi inventado e já é útil. E não tem como desfazer uma invenção genial", afirma Micaroni Lalli.
G1
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