São tantas e tão extensas as contribuições da Bahia à música brasileira que é possível afirmar que, sem elas, a MPB simplesmente não existiria. Seria possível reconhecer o cancioneiro nacional sem samba e Dorival Caymmi, João Gilberto e Caetano Veloso, Gilberto Gil e Novos Baianos, trios elétricos e Olodum?
Certamente, não. Há duas décadas, a MPB tornou-se tributária também do axé, um ritmo carnavalesco recebido, a princípio, com desconfiança e uma boa dose de preconceito pelo resto do país. Na voz de Daniela Mercury, o axé atravessou, no princípio dos anos 1990, as divisas da Bahia. Com Ivete Sangalo, consolidou-se como um gênero respeitável, na década seguinte. Agora, é Claudia Leitte, a musa loura do axé, quem apresenta sua contribuição. E ela está no campo dos negócios. Claudia profissionalizou sua empresa de uma forma que pode inspirar – e, quem sabe, até transformar – a gestão do showbiz no país.
DOS HOLOFOTES PARA AS PRATELEIRAS 1. Claudia Leitte gravou em junho um filme publicitário para os chocolates Garoto 2. Em maio, fez em São Paulo uma de suas mais de dez apresentações mensais 3. Em 2012, na gravação do The voice, programa de talentos da TV Globo. A atração aumentou a empatia entre a cantora e o público. Em dezembro, quando ela saiu do ar, o valor de Claudia para o mercado de propaganda chegou ao patamar atual As pesquisas posteriores da Ilumeo mostram que Claudia tem uma penetração maior nos contingentes femininos das classes C e D, mulheres admiram aquelas capazes de conciliar trabalho e família. Revelam também que a recepção positiva sobre Claudia deu um salto depois que ela participou do The voice, programa de talentos da TV Globo. O crescimento foi sentido, sobretudo, nos atributos de simpatia, determinação e confiabilidade. “Artistas que se tornam marcas, como Claudia, devem ser tratados como empresas. Os valores associados a eles têm de ser identificados e reforçados para atrair anunciantes”, diz Eduardo Lorenzetti, da NeogamaBBH. Foi o que aconteceu. Há um ano, Claudia representava duas marcas. Agora, são 12, entre elas Gol, Sky, Guaraná Antarctica e Nestlé. No Dia das Mães, a Riachuelo contratou-a como garota-propaganda. O estoque da coleção que ela anunciou se esgotou duas semanas antes da data. “Nosso site recebeu mais de 100 mil visitas”, diz Marcella Kannder, diretora de marketing da Riachuelo. Os chocolates Garoto viram seu número de fãs no Facebook pular de 360 mil para 4,6 milhões, depois que exibiu na TV uma campanha protagonizada por Claudia e pelo cantor sertanejo Michel Teló. Com mais publicidade e licenciamento, o faturamento da 2Ts subiu 44% em um ano. Segundo estimativas do mercado, hoje está na casa dos R$ 50 milhões anuais.
A CEO DO AXÉ Agora com uma centena de funcionários, a 2Ts prepara-se para representar outros músicos. O primeiro é a cantora Mira Callado, do The voice. Os executivos da empresa acreditam que, com cinco bons artistas, reduzirão de 50% para 40% a participação dos shows de Claudia no faturamento da 2Ts – o restante virá de publicidade, licenciamentos e vendas de CDs, DVDs e MP3. Outro desafio é usar a Copa de 2014 para expor Claudia ao público estrangeiro. Na semana passada, ela se apresentou nos festivais de jazz de Milão e de Montreux. Para aproveitar a oportunidade da Copa, a 2Ts lançará Axemusic, o próximo DVD de Claudia. O sucesso obtido pela 2Ts em seu primeiro ano pode mascarar os riscos que um artista corre quando decide empreender. Ivete Sangalo não teve o mesmo sucesso. Ela empreendeu numa área diferente, a produção de shows. Sua empresa, a Caco de Telha, perdeu fortunas em 2010, pilotando as turnês brasileiras de Beyoncé e Black Eyed Peas. Auditores identificaram um rombo de R$ 60 milhões, excesso de pessoal e dívidas trabalhistas. Ivete profissionalizou a direção, demitiu funcionários, parentes e até seu irmão. “Enxugamos muito sem reduzir a receita”, diz Fábio Almeida, diretor da Caco de Telha.
No sertanejo, outro segmento lucrativo, duas experiências se destacam – embora nenhuma delas tenha a abrangência da de Claudia Leitte. A FS, de Fernando e Sorocaba, é um exemplo de sucesso. Em 2010, a dupla recebia mais convites do que podia aceitar. Para não perder mercado, passou a agenciar outros cantores. “Sabíamos que buscariam um substituto noutro escritório. Pensamos: vamos oferecer um nosso”, diz Sorocaba, a cabeça empresarial da dupla. Para ampliar o negócio, ele entregou o marketing a um parente que atuava no mercado publicitário e a venda de shows a um profissional de eventos. A nova estrela do sertanejo Paula Fernandes tateia nesse caminho. Em fevereiro, abriu a Jeito de Mato. “Quando era agenciada, sentia falta de um envolvimento com minha carreira. Com uma estrutura profissional, posso planejar o futuro”, diz.
Claudia e os sertanejos se inspiram em exemplos de fora, onde é cada vez mais comum que artistas empreendam. O caso mais eloquente é a Roc Nation, sociedade do rapper Jay-Z com a Live Nation, gigante da área do entretenimento. Formada em 2008, a Roc Nation agencia artistas mais famosos que o dono, como Rihanna ou Shakira. “A profissionalização impõe desafios aos artistas, mas é um movimento natural”, diz o pesquisador Tiago Dória, do Massachusetts Institute of Technology (MIT). Para os músicos, é mais do que isso. Com empresas bem-sucedidas, eles estarão mais preparados para enfrentar quedas de popularidade e poderão reservar tempo para a vida pessoal. É o objetivo de Claudia: “Quero mais recursos, mas não abro mão de ver meus filhos, Davi e Rafael, crescer”.
Época
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