Quando as manifestações que hoje tomam o Brasil começaram a ganhar peso e velocidade, uma semana atrás, pareceu que era a multiplicidade de causas que as definiria. Nas passeatas desta quinta-feira, porém, ficou claro que há um traço ainda mais forte nesse movimento: a rejeição aos políticos, aos partidos, a qualquer pessoa ou entidade que se arvore o direito de falar "em nome do povo".
O partido da presidente, o PT, também se encontra de repente em terreno desconhecido. A mobilização não depende da voz de comando de partidos de esquerda, sindicatos ou associações estudantis para ir às ruas. Mais que isso, a repele. Quem portava bandeiras e camisetas de partidos foi isolado nas manifestações. Na noite de quinta-feira, depois de o presidente do PT, Rui Falcão, ter conclamado militantes a erguer novamente a bandeira do partido na marcha pelas ruas de São Paulo, houve hostilidade aberta contra quem tentou cumprir a ordem. Depois de mais de duas décadas, o PT se vê de repente privado do papel de porta-voz dos "anseios populares".
"Há uma espécie de libertação em face do aparelho petista e seus tentáculos", diz o professor Marcelo Barra, do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB).
O senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), ex-petista que participou da organização do movimento Fora Collor, faz uma análise semelhante: "Houve uma cooptação das lideranças políticas do movimento social para a estruturas de poder e o movimento, como toda panela de pressão, explode uma hora", diz ele.
Descentralizado, com bandeiras difusas e genéricas, mas grande potencial de articulação, o grupo que toma as ruas é exatamente o público-alvo da Rede, o partido que a ex-senadora Marina Silva deve formalizar nos próximos meses. Assim como Marina, esses jovens defendem um novo jeito de fazer política, mas não explicam exatamente o que isso significaria.
Apartidarismo - Grande parte dos milhares de pessoas que cercaram o Congresso Nacional na segunda-feira e na quinta-feira são tão jovens que nunca votaram – a começar por Wellington Fontenelle, um dos organizadores da marcha na internet. O rapaz de 18 anos, que tenta ingressar no curso de Física da Universidade de Brasília, se queixa da falta de acesso da população às decisões governamentais. "Enquanto o Brasil não mudar e resolver seus principais problemas, as manifestações não vão acabar. A gente está cansado de ser inerte”, diz ele, que mora na Asa Sul, um dos bairros mais valorizados da capital federal.
Pouco acostumados a protestos do tipo, os manifestantes adaptam palavras de ordem dos estádios de futebol – inclusive com as ofensas e palavrões. Nos cartazes, referências quase infantis a músicas da Legião Urbana. Os jovens exibem símbolos do anarquismo, mas cantam o Hino Nacional. Dizem-se representantes de uma geração consciente, mas só agora começam a se familiarizar com temas e nomes da política nacional – quando se dispôs a negociar pessoalmente com o grupo que tomou as ruas de Brasília no último sábado, o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, foi reconhecido por poucos manifestantes.
A aversão aos partidos e a rejeição a todas as autoridades constituídas é uma reação compreensível diante dos infindáveis escândalos que atingem a política brasileira. Ao mesmo tempo, esses dois fatores parecem limitar o horizonte do movimento.
PB Agora com VEJA
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